Violência patrimonial: a violência silenciosa.

Você já ouviu falar de pessoas que foram impedidas de trabalhar, ou que, mesmo trabalhando, foram obstadas de usufruir do fruto do seu trabalho e/ou de seu patrimônio? Pode ser que essas pessoas estejam sofrendo violência patrimonial!

Pode ser que você já tenha ouvido falar sobre violência patrimonial, mas não a conheça por esse nome. Apesar do termo pouco utilizado, a violência patrimonial é muito frequente.

Para que haja um conhecimento mais aprofundado desse problema, o texto do blog de hoje tratará sobre o assunto, explicando do que se trata esse tipo de violência, e como ele pode ser detectado!

Em sequência, serão dadas algumas dicas para evitar que você ou pessoas da sua convivência sejam vítimas do mesmo tipo de violência.

Acompanhe comigo.

1. Tipos de violência:

A Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006, revolucionou o tratamento jurídico dado à violência contra a mulher no Brasil, e em seu art. 7º, classificou a violência em 5 modalidades: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.

É importante que você entenda em que consiste cada uma delas para que possa se defender e denunciar, se for o caso.

A violência física, como o próprio nome já diz, consiste em qualquer agressão à integridade física ou à saúde corporal. É a violência mais fácil de ser detectada, inclusive para quem não convive com a vítima, uma vez que deixa marcas e sequelas visíveis.

A violência psicológica é mais sútil, e consiste em agressões que importem em danos emocionais que abalem a autoestima da vítima.

De acordo com a lei mencionada acima, art. 7º, inciso II, a violência psicológica pode ser definida como “qualquer conduta que (…) cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que (…) prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

A violência sexual é a violência que compele a vítima a participar de relação sexual não desejada, ou mesmo a presenciá-la, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Além disso, abrange também as hipóteses de comercialização forçada da própria sexualidade, o impedimento ao uso de método contraceptivo, bem como o casamento forçado, a gravidez e o aborto não desejados.

A violência moral abrange condutas que implicam em calúnia, difamação ou injúria. A calúnia é a imputação falsa de conduta criminosa à vítima. Já a difamação é a imputação de ato ofensivo à reputação, ainda que não constitua crime, e que implique na violação de sua honra objetiva (isto é, o que as demais pessoas pensam sobre ela). Já a injúria implica na violação da honra subjetiva, ou seja, atinge o conceito que a vítima tem de si própria, mediante palavras negativas que lhe insultam e atingem a sua autoestima.

Iremos analisar como a violência patrimonial se diferencia das demais hipóteses.

2. Violência patrimonial:

A violência patrimonial está prevista na Lei nº. 11.340, de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e é descrita em seu artigo 7º, inciso IV, como “Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

A violência patrimonial talvez seja a mais sútil das violências, uma vez que, em alguns casos, pode ser confundida com carinho e preocupação por parte do ofensor.

Quantas vezes já não ouvimos dizer que o marido não deseja que sua mulher trabalhe para que ela fique mais confortável dentro de casa? Ou, ainda, quantas vezes não vemos o marido ficar com a integralidade do salário da esposa para que ela “não precise se preocupar com nada”?

Há que se considerar, contudo, que a mulher que não tem uma renda própria e nem tem acesso ao próprio dinheiro sofre uma série de limitações em sua vida pessoal, o que dificilmente poderá ser considerado como carinho e preocupação.

Também se verifica violência patrimonial no caso de retenção de documentos, que podem impedir tanto a pessoa de sair de casa como de arrumar um emprego.

Independentemente da redação da lei, haverá violência patrimonial sempre que questões financeiras forem utilizadas para restringir a livre atuação da vítima.

É importante destacar que nem sempre a vítima de violência patrimonial é uma mulher. Além disso, nem sempre se verifica dentro de relacionamentos afetivos.

Na verdade, ainda que a violência patrimonial esteja prevista na Lei Maria da Penha, que é uma Lei voltada para a proteção da mulher contra a violência doméstica, verifica-se que idosos, crianças, e mesmo pessoas adultas podem ser vítimas desse tipo de agressão.

Não são raros os casos de idosos que não têm acesso aos próprios rendimentos, e ficam à mercê de filhos inescrupulosos que utilizam parte dos proventos da aposentadoria para fins escusos.

Também não é raro que crianças, dada a sua vulnerabilidade natural, sofram violência patrimonial, o que pode acontecer, inclusive, com a manipulação no pagamento da pensão alimentícia.

Há, ainda, os filhos já adultos que têm sua vida controlada pelos próprios pais, pela via patrimonial. Essas pessoas são colocadas em situação de infantilidade eterna, e encontram dificuldade em administrar suas próprias finanças e demais aspectos de sua vida.

Dessa forma, tudo que será mencionado adiante sobre violência patrimonial se aplica a todas as suas possíveis vítimas, e não apenas às mulheres que se encontram dentro de relacionamentos amorosos abusivos.

3. Indícios de violência patrimonial.

Como falado anteriormente, é muito difícil para quem está de fora da relação abusiva, detectar que possa estar havendo violência patrimonial.

Podemos mencionar, contudo, algumas situações que denotam indícios de que uma conduta abusiva está se desenvolvendo, e que há necessidade de uma maior observação para a análise de todo o contexto.

Da mesma forma, se algo semelhante está acontecendo na sua vida, fique atenta para identificar se você precisa de ajuda para romper o ciclo da violência.

Normalmente, a violência patrimonial se inicia com o alijamento da participação da vítima na vida financeira da família, o que pode se dar de diversas formas.

A primeira delas é a outorga de procuração da vítima em nome do ofensor ou de terceiros. Com isso, o agressor pode negociar em seu nome, sem que ela tenha qualquer controle sobre o que está acontecendo. Isso é feito por esposos e companheiros em relação às suas esposas e companheiras, mas também é comum que tais procurações sejam apresentadas pelos filhos em relação aos seus pais idosos.

Também se dá esse alijamento quando a vítima é obrigada a depositar todos os seus proventos em uma conta conjunta, ao passo que o agressor possui diversas outras contas bancárias e aplicações que a vítima desconhece completamente, e em relação às quais não consegue sequer solicitar um extrato.

O mesmo processo ocorre quando a vítima é compelida a transferir todo o seu patrimônio, alguns bens ou mesmo o salário para que o ofensor faça a administração como entender conveniente.

Além disso, qualquer outra estratégia que afaste uma pessoa da administração das suas próprias finanças pode ser considerada como um indício de violência patrimonial.

4. Formas de prevenir a ocorrência de violência patrimonial.

A violência doméstica é um fenômeno complexo e que traz repercussões graves para a família como um todo.

Mesmo quando tratamos da violência patrimonial, não é possível reduzir todo o ocorrido a questões meramente financeiras. As diversas modalidades de violência podem estar associadas.

Além disso, pode ser que se verifique, no caso concreto, uma série de questões psicológicas associadas à questão financeira. O marido, ou companheiro, pode, por exemplo, fazer com que a esposa ou companheira se sinta incapaz de ser produtiva e de contribuir para o orçamento doméstico. Não se trata, assim, de simplesmente impedir a vítima de trabalhar, mas sim de fazê-la se sentir como incapaz de realizar qualquer atividade remunerada.

Importante destacar, dessa forma, que não se está aqui desconsiderando toda a complexidade do fenômeno. Ao contrário, buscamos trazer à lume uma das vertentes da matéria, que é a jurídica-financeira.

E, sob esse ponto de vista, uma melhor educação financeira pode evitar violência patrimonial no futuro. De fato, observa-se que quando uma pessoa aprende sobre a importância de fazer um controle direto sobre o próprio patrimônio, ela fica mais protegida contra eventuais agressões.

Levando tudo isso em consideração, a primeira dica para evitar a violência patrimonial é a manutenção de uma conta bancária e investimentos próprios ao longo da vida. É muito importante que a vítima, mesmo quando optou por não trabalhar fora, tenha valores particulares para comprar as coisas do dia a dia de que necessita. Isso evita o controle excessivo que pode caracterizar uma conduta abusiva.

Igualmente importante é que mantenha uma fonte de renda própria, sempre que possível. Em casos semelhantes, mesmo que haja o término do relacionamento afetivo, a vítima já terá alguns valores para reiniciar a sua vida e arcar com as próprias despesas.

Em acréscimo, ao longo do relacionamento, é necessário que o casal tenha acesso igualitário ao patrimônio da família, participando em conjunto de decisões sobre aquisições, investimentos, dívidas e até mesmo da declaração de imposto de renda. Sendo o numerário dos dois, qualquer equívoco cometido por uma das partes trará implicações para a outra, seja no que tange às más decisões, seja no que concerne a multas e outras penalidades tributárias.

É primordial, também, que haja a divisão justa das despesas domésticas. Não há necessidade que cada parte contribua com 50% dos valores, mas sim que cada um contribua na medida de suas possibilidades e tenha condições de acumular patrimônio, seja para o futuro, seja para pequenas aquisições e projetos.

Finalmente, não podemos esquecer da importância de escolher um regime de bens adequado para cada casamento ou união estável.

Assim como um casal de namorados deve discutir sobre o desejo de ter filhos e sobre o futuro que esperam ter em comum, é igualmente importante que discutam sobre a distribuição dos bens antes, durante e após o término do casamento (seja pelo divórcio, seja pelo falecimento).

Nós já falamos sobre esse assunto anteriormente aqui no blog (Confira: https://vaneskadonato.adv.br/o-que-acontece-com-a-sua-participacao-na-empresa-se-voce-se-divorciar/), mas é sempre importante revisitar esse assunto. Se os cônjuges não fizerem um pacto antenupcial, o regime de bens do matrimônio será o da comunhão parcial, na qual tudo que é adquirido depois do casamento se comunica (é dividido entre o casal), com exceção dos bens que são objeto de herança e doação. Ocorre que nem sempre esse é o melhor regime de bens no caso concreto!

Cônjuges que desenvolvem atividade empresária, por exemplo, podem se sentir mais protegidos com o regime da separação total de bens. Nessa espécie de regime, o cônjuge não tem direito à meação da participação acionária do outro, o que evita desconfortos dentro da sociedade. Do mesmo modo, as dívidas da empresa, que em alguns casos podem recair sobre a pessoa do sócio, jamais o farão com relação aos bens do cônjuge casado pelo regime da separação de bens.

Por outro lado, é possível que, em alguns casos, o melhor regime seja o da comunhão total de bens, no qual se divide todo o patrimônio anterior e posterior ao casamento. Um cônjuge mais velho, por exemplo, pode entender ser conveniente casar-se dessa forma para que seu companheiro possa usufruir de todo o seu patrimônio em caso de falecimento. Importante destacar, contudo, que pessoas com idade superior a 70 anos só podem se casar pelo regime da separação obrigatória de bens, por força da lei (art. 1641, CC).

Escolher um regime de bens pode ser uma atividade complexa, motivo pelo qual se recomenda que os cônjuges sempre procurem uma assessoria jurídica para uma solução personalizada.

Ademais, é importante lembrar que sempre é possível alterar o regime de bens ao longo do casamento, se isso se mostrar necessário (Para se aprofundar sobre esse assunto, confira: https://vaneskadonato.adv.br/4-segredos-que-ninguem-te-conta-sobre-modificacao-de-regime-de-bens-inclusive-que-pode-ser-excelente-para-a-sua-empresa/

Saliente-se, finalmente, que as pessoas que convivem em união estável também podem escolher um regime de bens, desde que façam um contrato de união estável no cartório pertinente.

5. Como denunciar.

Você presenciou a ocorrência de qualquer tipo de violência e não sabe o que fazer para ajudar? Denuncie.

Qualquer caso de violência pode ser denunciado diretamente na Central de Atendimento à Mulher (180) e à polícia comum (190).

Além disso, existem várias delegacias específicas para a mulher, e muitas funcionam em 24hs. É importante que você se informe sobre o funcionamento dessas delegacias na sua cidade.

Em acréscimo, em alguns Estados da federação, os condomínios têm obrigação legal de informar os casos de violência à autoridade. Na Bahia, por exemplo, há a Lei nº. 14.278/20, já aprovada e vigente.

De outro lado, no Estado de São Paulo, foi aprovada, em 16 de setembro, a Lei nº. 17.406/21, que entra em vigor 60 dias depois de sua aprovação, ou seja, em 16 de novembro do presente ano. A referida lei obriga os condomínios residenciais e comerciais a denunciarem casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos. A comunicação deve ser feita em até 24 horas após o fato ocorrido, com informações que contribuam para identificar vítimas e o possível agressor.

A norma também obriga a fixação de cartazes, placas ou comunicados nas áreas de uso comum dos condomínios, de modo a divulgar a lei e incentivar os moradores a notificarem o síndico e/ou administrador quando tomarem conhecimento da ocorrência ou de indícios de episódios de violência doméstica no interior do condomínio.

Agora que você já aprendeu um pouco mais sobre violência patrimonial, me conta aqui nos comentários se já viu essa espécie de violência acontecer de alguma forma e se conseguiu fazer algo para evitá-la ou minimizá-la.

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