Passar o ponto, vender a empresa ou vender o estabelecimento?
Muitos empresários têm várias dúvidas no que tange a esse assunto porque a diferença entre os contratos pode não estar tão clara para todo mundo. Muitas vezes as três modalidades são confundidas, o que pode tornar a negociação muito perigosa para o empresário, e implicar, indevidamente, na “morte” da empresa que levou tantos anos para ser construída.
Percebendo a relevância de estabelecer, de forma definitiva, a diferença entre esses contratos, vamos te mostrar no texto de hoje que passar o ponto, vender a empresa e vender o estabelecimento (contrato de trespasse) são três coisas diferentes.
Acompanhe até o final para que você possa aproveitar essas diferenças e utilizá-las a seu favor.
Vamos lá? Boa leitura!
1. No que consiste vender uma empresa?
Vender uma empresa significa colocar à venda toda a sua estrutura física, ativos, contratos, estoque, patrimônio imaterial como marca, patente, rol de empregados e colaboradores, carteira de clientes, ou seja, todos os elementos integrantes da empresa.
É um contrato que oferece diversas vantagens para o adquirente, uma vez que é mais fácil gerenciar uma empresa que já está em operação. Se o adquirente for experiente e possuir uma boa visão sobre o negócio no qual está ingressando, será mais fácil aumentar o lucro com mudanças menos profundas e pontuais.
A venda da empresa pode ser feita em sua integralidade, ou de maneira parcial, quando o proprietário da empresa busca um novo sócio para empreender com ele, ou quando algum sócio decide sair e vender a sua parte. Nesses casos, o contrato que será firmado entre as partes receberá o nome de cessão de quotas sociais (para as empresas limitadas) ou de ações (para as sociedades anônimas).
Nós já explicamos anteriormente aqui no blog (Confira: https://vaneskadonato.adv.br/quero-demitir-o-meu-socio-tudo-que-voce-precisa-saber-sobre-como-funciona-a-exclusao-de-um-socio-de-uma-empresa/) que a quota é uma parcela do capital social da empresa que, por sua vez, é o valor constituído em bens e direitos com que cada sócio contribui para que a empresa possa iniciar as suas atividades.
As quotas conferem direitos aos sócios, seja do ponto de vista da gestão da empresa, seja do ponto de vista econômico (pró-labore e distribuição de lucros, por exemplo).
Mas nem tudo são flores, não é mesmo? A par dos lucros que uma operação dessa pode oferecer, é importante destacar o seu potencial de gerar enormes prejuízos ao adquirente!
Com efeito, o comprador deverá avaliar o futuro da empresa, se ela é viável financeiramente, e entender por qual razão os antigos sócios se desinteressaram do negócio. Será necessário, assim, proceder à due diligence, que já foi matéria de um outro texto que você pode verificar aqui (https://vaneskadonato.adv.br/due-diligence-o-que-e-e-porque-voce-precisa-dela/).
De modo bem simplificado, a due diligence é um processo de busca de informações sobre uma empresa, a partir de uma análise que normalmente inclui aspectos como sua área de atividade, as possibilidades e perspectivas para o futuro e o estado de seus ativos e passivos.
E qual é o risco de não proceder a um bom levantamento?
De acordo com a lei, o adquirente da totalidade da empresa, ou de parte das suas cotas sociais ou ações, poderá responder de forma solidária com o vendedor pelo período de 2 anos contados da averbação da alteração na Junta Comercial por todas as obrigações que tinha até aquele momento (“Art. 1.032, do CC: A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação”).
Uma operação segura depende também da avaliação da empresa (valuation) que, aconselha-se seja feita por empresa especializada para que os valores negociados sejam justos para ambas as partes.
Além da análise dos números da empresa, de seus processos, e de toda a questão jurídica, contábil e econômica que permeia a transação, para se proceder à venda de uma empresa é necessário pensar em todos os contratos que se encontram em aberto, manter o segredo das negociações em andamento, verificar o armazenamento de dados pessoais para que não haja prejuízo à Lei Geral de Proteção de Dados (Sobre esse assunto, confira aqui no blog: https://vaneskadonato.adv.br/11-questoes-sobre-lei-geral-de-protecao-de-dados-que-vao-te-ajudar-a-comecar-a-adequar-a-sua-empresa/), entre outras questões relevantes.
É importante entender que a venda da empresa implica na transferência dos créditos e débitos do negócio, o que torna essa negociação a que exige o maior cuidado dos contratantes entre as três que estão sendo tratadas neste post.
O empresário que quiser vender a sua empresa deverá quitar as suas dívidas, ou então conservar bens suficientes para pagar todas elas. Em último caso, não sendo nenhuma dessas hipóteses possível, cada uma das dívidas deverá ser renegociada, com a anuência do credor acerca da alteração da pessoa do devedor (art. 299, do CC).
Em acréscimo, os empresários não podem esquecer que a venda da empresa exige regularização na Junta Comercial, sob pena de que o alienante continue respondendo pelos débitos da empresa mesmo não sendo mais sócio!
2. Passar o ponto comercial: Como funciona?
O ponto comercial é, em linhas gerais, o local físico onde a empresa está estabelecida e desempenha as suas funções, desde que, evidentemente, ela tenha atividades presenciais. Nos dias atuais não raro se encontram empresas totalmente digitais, e que não têm e nunca terão ponto comercial.
De qualquer forma, a maior parte das empresas ainda tem sede física, e o ponto comercial se torna um ativo muito importante e que, inclusive, recebe proteção legal específica.
O imóvel em que se localiza o ponto comercial pode ser próprio ou alugado. Nas duas hipóteses, ele é resguardado e pode ser negociado pelo empresário. Se o imóvel for próprio, a proteção legal é aquela dispensada ao direito de propriedade. Se, por outro lado, o ponto comercial estiver consolidado sob imóvel alugado, a principal proteção legal é a ação renovatória de locação (art. 51, da Lei de Locações).
Tratando-se de imóvel alugado, nada obsta que o ponto comercial possa ser negociado pelo empresário. Contudo, neste caso, a negociação deverá contar com a anuência do proprietário do imóvel e será necessário proceder ao aditamento do contrato de locação.
É importante notar que a pessoa que assume o ponto comercial não necessariamente seguirá com a operação da empresa que ocupava aquele local. Em regra geral, se o contrato for apenas para passar o ponto, o novo dono poderá mudar o nome do local, sua estrutura e até mesmo o segmento do mercado. Seu único interesse é a aquisição daquele local em específico, seja para manter a clientela, seja em razão de algum outro objetivo estratégico.
Dessa forma, a transação, nesta segunda hipótese de contrato, recai exclusivamente sobre um único elemento da empresa, que é o ponto comercial. Quanto maior o seu valor, maior será o valor negociado, o que dependerá da localização e das condições do imóvel (tamanho, padrão construtivo, existência ou não de estacionamento, valor do aluguel, valor do imposto predial territorial urbano – IPTU, tempo de restante do contrato de locação, tamanho da fachada, benfeitorias, reformas, entre outros).
Para passar o ponto, não há necessidade de fazer um levantamento aprofundado de quem está transferindo o ponto comercial, mas é necessário o cuidado de analisar o contrato de locação, caso o imóvel seja alugado.
Com efeito, muitos contratos vedam a mudança do locatário (ou a sublocação), o que poderia dar ensejo à rescisão do contrato sem pagamento de multa por parte do proprietário. Justamente por isso, conforme mencionado acima, é necessário que seja dado conhecimento ao proprietário do imóvel para que se proceda ao aditamento do contrato ou mesmo à redação de um novo.
Assim, por ter um escopo bem mais limitado, passar o ponto é muito mais simples e mais rápido do que vender a empresa. Além disso, é uma transação de caráter imobiliário e não depende de registro na Junta Comercial.
3. A alienação do estabelecimento comercial – O chamado contrato de trespasse.
Pode ser que vender a sua empresa ou passar seu ponto ainda não sejam os contratos que você está procurando.
Há uma outra opção, que se encaixa entre as duas modalidades: o contrato de trespasse, que é o instrumento contratual que regulamente a compra e venda de um estabelecimento empresarial.
Para que o escopo desse contrato fique claro, é necessário entender o que é o estabelecimento comercial, ou empresarial, como preferem alguns.
O estabelecimento comercial é um complexo de bens organizados pelo empresário e que tem por finalidade o exercício organizado da atividade empresarial. Ele envolve as mercadorias, instalações, veículos, equipamentos, marcas e patentes, além de outros bens.
A descrição acima apresentada nos demonstra a existência de dois tipos de bens que integram o estabelecimento comercial: os bens corpóreos, como as instalações e o maquinário, e os bens incorpóreos, como a propriedade intelectual (marcas e patentes), o ponto comercial, direitos e segredos industriais.
O contrato de trespasse, portanto, é um contrato mais amplo do que simplesmente a transferência do ponto comercial, uma vez que este último é apenas um dos elementos que integram o estabelecimento empresarial.
De outro lado, é um contrato mais restrito do que a venda da empresa, e essa diferença é um pouco mais difícil de entender, mas nós vamos te explicar para que você nunca mais tenha dúvidas!
No contrato de trespasse, os créditos e débitos da empresa que não estejam diretamente vinculados ao estabelecimento não serão abrangidos. Dessa forma, o patrimônio da empresa e o estabelecimento não se confundem: O patrimônio é o conjunto de bens, direitos e obrigações vinculados à empresa, ao passo que o estabelecimento é o conjunto de bens necessários para atingir os objetivos da empresa. O estabelecimento integra o patrimônio da empresa, mas não representa a sua integralidade.
O contrato é firmado entre a pessoa jurídica que está vendendo o estabelecimento e uma outra pessoa física ou jurídica que o está adquirindo e deve ser objeto de registro junto à Junta Comercial do Estado da sede da empresa.
Nós havíamos destacado, acima, que a venda da empresa implicava na transferência de todos os créditos e débitos para o novo adquirente. Com relação à negociação do estabelecimento empresarial, a situação é um ponto diferente. O adquirente responderá pelas dívidas existentes desde que regularmente contabilizadas, ou seja, apenas se estiverem na escrituração regular do alienante. Essa diferença é importante, porque, no contrato de trespasse, o adquirente só responde por dívidas que teve conhecimento no momento da efetivação do negócio, com exceção das dívidas tributárias e trabalhistas, que seguem regramento próprio.
A realização de uma due diligence é igualmente importante no caso em tela, mas o contrato de trespasse é um negócio com escopo menor do que a negociação de uma empresa, e, por isso, oferece menores riscos.
Um aspecto importante do contrato de trespasse é que, de acordo com a lei (art. 1.147, do CC), o alienante não poderá exercer concorrência ao adquirente pelo prazo de 5 anos contados a partir da transferência, salvo de no contrato estiver disposto prazo diferente. No caso de arrendamento do estabelecimento (um outro contrato possível de ser feito pelo empresário), a proibição de fazer concorrência persistirá durante todo o prazo do contrato.
Em síntese, no contrato de trespasse, o estabelecimento objeto de alienação passa a não fazer mais parte do patrimônio da empresa que o está vendendo, mas sim ao patrimônio da empresa do adquirente. Dessa forma, a empresa que o alienou pode continuar exercendo sua atividade normalmente em outro estabelecimento, desde que haja previsão contratual nesse sentido.
Já no caso da venda da empresa, ou cessão de quotas ou ações, o estabelecimento comercial não muda de titular, pois ele irá continuar pertencendo à empresa que está sendo vendida (com manutenção de seu CNPJ). O que será alterado é o quadro social da empresa, e não o titular do estabelecimento. As partes são o sócio cedente e o sócio cessionário, não figurando a empresa como parte no contrato, ao contrário do que ocorre no contrato de trespasse.
A partir do texto de hoje você pôde perceber que há opções muito vantajosas para você transacionar o seu negócio! Apresentamos três possíveis alternativas: passar o ponto, vender a empresa (ou ceder quotas ou ações) ou ainda fazer a alienação de um estabelecimento (contrato de trespasse).
Com tantas opções, mesmo que você não queira mais desenvolver a mesma atividade econômica, você não precisa, e não deve, fechar a sua empresa! Além de perder todo o esforço que você destinou ao seu negócio, você estaria perdendo excelentes oportunidades de lucrar ou de pelo menos minimizar o seu prejuízo. Como essa escolha nem sempre é fácil, se precisar de profissionais especializados, estaremos aqui para te ajudar!
Você conhecia essas informações? Me conta aqui nos comentários.