Pouca gente sabe, mas o Brasil está entre os 3 maiores mercados do mundo para produtos pet, atrás apenas de EUA e China. Mesmo com toda a crise trazida pelo Coronavírus, o Brasil encerrou 2020 com cerca de 40,1 bilhão de faturamento nesta área, o que corresponde a 13,5% a mais do que no ano anterior, segundo projeção do Instituto Pet Brasil.
A pandemia fortaleceu a tendência de humanização dos animais de estimação, com a oferta de diversos produtos premium, inclusive serviços de banho e tosa.
É normal que, com o aumento do faturamento, surja também um maior número de ações judiciais. E o setor de petshops, formado por 90% de empresas de pequeno e médio porte, ainda se encontra despreparado para enfrentar esses problemas, principalmente por falta de assessoria jurídica.
Levando tudo isso em consideração, hoje eu vou falar sobre coisas que todo mundo deveria saber sobre responsabilidade civil dos petshops. Se você tem um petshop ou presta qualquer tipo de serviço voltado para o bem-estar de animais de estimação, não deixe de acompanhar esse texto até o final. E se você é dono de um pet, este texto também é para você, porque eu vou explicar tudo que você precisa saber para escolher o petshop mais adequado para o seu bem mais precioso.
1. A responsabilidade objetiva dos petshops.
Os petshops, assim como as clínicas veterinárias, têm uma responsabilidade civil que é chamada de responsabilidade objetiva, por força do disposto no art. 14, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Responsabilidade objetiva é aquela que não depende de comprovação de culpa, implicando em responsabilidade sempre que for cometido um ato ilícito, houver dano, e se reconhecer a existência de um nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano.
Dessa forma, em casos de fuga do animal de dentro do petshop ou do serviço de transporte, morte e lesão, por exemplo, pode haver a responsabilização de maneira objetiva, ou seja, sem que o tutor tenha que comprovar qualquer tipo de culpa.
Como já falamos no texto anterior (7 Dicas para você entender a responsabilidade civil dos médicos veterinários e das clínicas veterinárias e nunca mais errar), a responsabilidade objetiva pode ser direta ou indireta, quando decorrente de atos de empregados e prepostos. As duas espécies geram o mesmo tipo de responsabilização, e o petshop não consegue se eximir do seu dever de indenizar alegando que a culpa foi do banhista ou do atendente da sua loja. Ele responde pelos atos de todos eles.
Para que possa, de fato, se defender, o petshop terá que comprovar uma de três situações: fato de terceiro, culpa exclusiva do tutor do animal ou caso fortuito ou força maior.
Fato de terceiro é qualquer ato cometido por uma pessoa que não integra a relação jurídica havida entre o petshop e o tutor do animal, e que seja responsável pelo dano sofrido. Assim, se houver um sequestro a mão armada dentro de um petshop, ele não será responsabilizado pelas consequências danosas decorrentes disso, já que não teve qualquer contribuição para o evento danoso.
Já a culpa exclusiva do tutor do animal se verifica sempre que, por alguma atitude, é o tutor que gerou o dano ao seu próprio pet. Isso pode ocorrer porque o cliente deixou de seguir alguma orientação do petshop, ou mesmo porque escondeu alguma informação que deveria necessariamente ter sido comunicada. Se tanto o tutor quanto o petshop contribuíram para o dano sofrido pelo animal, haverá a redução de indenização. Essa situação tem o nome jurídico de culpa concorrente da vítima.
Finalmente, caso fortuito ou força maior é o evento imprevisível e incontrolável que pode atingir o petshop. Normalmente, é a classificação que se dá aos eventos da natureza como enchentes, raios e desabamentos.
Se não houver caracterização de algumas dessas excludentes de responsabilidade civil, o petshop poderá ser condenado ao pagamento de uma indenização, motivo pelo qual algumas atitudes preventivas se fazem necessárias.
2. Boas práticas dos petshops para evitar possíveis danos.
Como já esclarecemos acima, em razão da objetivação de sua responsabilidade, os petshops podem ser presa fácil para diversos tipos de ações judiciais, nem todos elas muito bem-intencionadas ou legítimas.
Justamente por isso, é muito importante que os petshops estejam preparados para quando incidentes venham a ocorrer.
A primeira providência é a preparação de uma documentação mínima para a abertura de ficha do animal. É muito importante que o tutor preencha uma ficha, indicando as principais doenças, as alergias, os tratamentos já realizados pelo seu pet, além de quaisquer outras informações relevantes para a sua saúde.
Essa conduta é indicativa de um bom estabelecimento, e deve também ser observada pelos tutores ao escolher um petshop. A preocupação com o histórico do animal demonstra seriedade e profissionalismo.
Ademais, se houver a contratação de um plano mensal para banho e tosa e/ou outros serviços, é importante que o petshop disponibilize um contrato de prestação de serviços que servirá para comprovar a relação havida entre as partes em juízo, em caso de inadimplemento do cliente.
Dependendo da região em que estão localizados, alguns petshops sofrem com casos recorrentes de abandono de animais. Nessa situação, ao abrir a ficha do animal, é importante solicitar documentos do tutor, como RG, CPF e, principalmente, algum comprovante de residência. Qualquer conta de consumo pode servir para essa função, e a maior parte das pessoas atualmente tem esses documentos à mão, no aparelho celular.
É importante que haja um cuidado especial com animais idosos, sendo uma boa prática pedir que o tutor assine um termo de responsabilidade antes de qualquer tipo de procedimento.
Além disso, petshops que pensam em crescer e se tornar referência no mercado criam manuais específicos de conduta para garantir o bom atendimento a todos os clientes. É essencial que todos os empregados e colaboradores estejam treinados para oferecer serviço de qualidade para todos os pets.
3. Os perigos da inversão do ônus da prova na responsabilidade civil de petshops.
O Código de Defesa do Consumidor prevê a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor sempre que isso se fizer necessário.
Mas, afinal, o que isso significa na prática?
Ônus da prova é o dever de provar tudo aquilo que é alegado. Assim, quem propõe uma ação de indenização deve comprovar o que está relatando ao juiz. Havendo a inversão desse ônus, permite-se que quem alega apresente meros indícios do ocorrido, deixando para a parte acusada comprovar que não atuou em contrariedade à lei.
Esse é um direito muito importante do consumidor, e decorre do reconhecimento de que, em uma relação de consumo, ele é a parte mais vulnerável porque pode não ter condições mínimas de comprovar como se deu a conduta da parte contrária, isto é, do fornecedor.
Ao mesmo tempo, representa uma grande dificuldade ao petshop, que, na condição de fornecedor, terá que tomar cuidados para comprovar a sua atuação de maneira correta em caso de disputas judiciais.
Além dos documentos mencionados no item anterior, para que possa se desonerar de eventual responsabilização, é importante que o petshop tenha câmeras de vídeo e áudio para monitorar tudo que acontece na área de banho e tosa e outras partes da sua loja.
Em caso de acusação de lesão por parte dos tutores, o petshop, com as gravações, poderá comprovar que nenhuma intercorrência aconteceu durante o banho.
O uso das referidas câmeras ainda não é obrigatório em todo o Brasil. Alguns Estados, como o Distrito Federal, e algumas cidades, têm legislação específica sobre o tema.
De qualquer forma, a manutenção desses aparelhos tem se mostrado essencial para o oferecimento de defesa para os petshops. Além disso, é uma forma excelente de atrair clientes, uma vez que os tutores se sentem mais confortáveis com o devido monitoramento de seus animais.
Se o seu estabelecimento optar pela colocação de câmeras, não esqueça de colher o consentimento dos seus empregados e colaboradores para o tratamento de dados, isto é, para a gravação e posterior utilização das imagens.
As pessoas que trabalham no petshop precisam concordar em ser gravadas enquanto trabalham, e esse consentimento precisa ser específico, explícito e por escrito. Para cumprir as exigências da Lei Geral de Proteção de Dados, o estabelecimento pode tanto inserir uma cláusula nesse sentido no contrato de trabalho, como também apresentar um termo de consentimento separado para a colheita de assinatura.
4. Responsabilidade civil do petshop em caso de venda de filhotes.
A venda de filhotes em petshops é uma questão bastante polêmica, havendo legislação esparsa ao longo de todo o Brasil em que essa venda é restrita ou proibida.
São Paulo, por exemplo, tem um Projeto de Lei (nº. 35/2019) que pretende proibir a venda de filhotes em petshops. O estabelecimento que quiser comercializá-los terá que ser credenciado como criadouro. Há, inclusive, a previsão de uma multa de R$ 10.000,00 para o caso de não observância da norma. Na mesma esteira, há lei semelhante tramitando no Rio de Janeiro, com multas ainda mais pesadas, que vão variar de R$ 10.000,00 a R$ 100.000,00.
Se essa venda for permitida na sua cidade, e se você quiser fazer esse tipo de comercialização no seu petshop, é importante atuar com a máxima cautela!
De acordo com a Resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária (datado de 2015) – CFMV, a venda de filhotes por petshops é autorizada desde que o animal não tenha contato direto com o público, seu espaço seja confortável, seguro e com pouco barulho, que o animal seja vermifugado e vacinado antes da venda e que o petshop que faz a venda possua um veterinário responsável cadastrado.
É importante também que seja formulado um contrato para a venda dos filhotes, assim como haja orientações por escrito das condutas que devem ser tomadas pelo novo tutor em prol da saúde do pet.
Eventuais violações dessa norma serão notificadas ao CFMV, e dela decorreram uma série de sanções, que devem ser evitadas pelo petshop não somente em razão do prejuízo pecuniário, mas também do abalo de reputação.
5. Outros tipos de serviço que podem ser oferecidos pelo petshop e os cuidados necessários para evitar indenizações.
Além de banho e tosa e outros serviços relacionados à estética do animal, é comum que petshops ofereçam outros tipos de serviço como hospedagem e daycare.
No caso da hospedagem, os tutores deixam o animal de estimação aos cuidados do petshop quando vão viajar ou permanecer um tempo mais longo longe da residência habitual.
Já o daycare funciona como uma espécie de creche, em que os tutores deixam o seu animal no petshop enquanto estão trabalhando e ocupados com outras atividades.
Os dois tipos de serviço estão em plena expansão, já que ninguém gosta de deixar os pets, especialmente os cachorros, sozinhos em casa por longos períodos, e podem ser muito lucrativos.
O problema é que quanto maior o tempo de cuidados oferecido pelo petshop, maior a probabilidade de incidentes, e mais cautela se deve ter com as medidas de prevenção de danos.
Há que se ter muito cuidado para evitar fugas, por exemplo. Caso ocorram, é essencial que o petshop demonstre o máximo cuidado para localizar o animal e dar todo o suporte necessário para os tutores. Um bom atendimento tem o condão, inclusive, de diminuir as indenizações.
Além disso, como nesses casos os animais vão ficar sob os cuidados do petshop por mais tempo, é ainda mais salutar que haja a preocupação em obter o máximo possível de informações sobre o animal, especialmente medicação que tenha que ser oferecida regularmente.
É recomendável que seja apresentada uma ficha para que o próprio tutor preencha com todas as informações pertinentes, assinando-a em seguida. Se houver a omissão de alguma informação, a responsabilidade será dele, e não do petshop.
Além disso, tratando-se de hospedagem e daycare, se torna ainda mais crucial a existência de câmeras para monitoramento dos pets. Se possível, o petshop deve fornecer ao tutor o acesso às câmeras para que este fique acompanhando o comportamento do animal ao longo do dia.
Essas câmeras, além de representarem uma segurança para o petshop e para os tutores, ainda podem funcionar como um diferencial do seu negócio.
6. Como funciona a indenização dos petshops.
A indenização decorrente de um dano sofrido em um petshop pode decorrer de danos de duas naturezas: moral e material.
Os danos materiais são aqueles que atingem o patrimônio do tutor da vítima, e se dividem em danos emergentes e lucros cessantes.
Os danos emergentes são aqueles apurados logo de início, como os gastos com tratamentos médicos e medicamentos, bem como do funeral do animal, em caso de falecimento.
Os lucros cessantes correspondem ao que a vítima deixou de ganhar com o evento danoso. Se o animal iria participar de um concurso de beleza ou de uma propaganda, por exemplo, deverá haver o ressarcimento do que seu tutor deixou de ganhar com essa atividade.
Os danos morais são aqueles que atingem direitos da personalidade do tutor. É o abalo psicológico gerado pelo incidente. Esse abalo pode ser tanto temporário, como é o caso de um animal que foge e depois vem a ser encontrado, quanto permanente, o que ocorre em caso de falecimento do pet. Em ambos os casos há dever de indenizar do petshop, mas o valor da indenização será diferente para cada um dos casos.
Os danos materiais dependem de comprovação para que sejam indenizados, de modo que deverão ser apresentados notas fiscais e recibos dos procedimentos realizados.
Os danos morais, neste caso, não dependem de comprovação pois são presumidos. São os chamados danos morais in re ipsa. Essa presunção decorre do fato de o Judiciário entender que, naquela situação, qualquer pessoa teria sofrido um abalo psicológico, de modo que não há necessidade de que esse seja comprovado.
Agora que eu já te expliquei os aspectos mais importantes da responsabilidade civil dos petshops, me conta se você já planejou mudanças no seu negócio e se está pretendendo colocar em prática as dicas que eu te dei!