Por diversas vezes eu sou procurada em meu escritório com uma dúvida bem específica: Como eu faço para demitir meu sócio!
O termo, evidentemente, está errado, já que você não pode demitir quem não é seu empregado. Contudo, o significado é bem claro: o que o meu cliente deseja saber é como fazer para excluir um sócio (em regra, minoritário) de uma empresa.
E é mais do que natural que esse desejo surja!
Assim como o amor por vezes acaba, isso também pode acontecer com a affectio societatis, que é justamente o desejo de manter uma sociedade. Não havendo mais o desejo de atingir os escopos da empresa em conjunto, há que se pensar nos mecanismos jurídicos para que a dissolução do vínculo ocorra.
Levando isso em consideração, vou explicar quais são as hipóteses de exclusão do sócio em uma sociedade limitada, que é a espécie de sociedade mais frequente no Brasil.
Se você desenvolve atividade empresária e tem sócios, não pode deixar de acompanhar esse texto até o final.
1. Entendendo o que é uma sociedade limitada, e como funciona a responsabilidade dos sócios.
Conforme mencionei na introdução deste texto, a sociedade limitada é o tipo societário mais comum no Brasil, tendo sido introduzido em nossa legislação em 1919.
Seu sucesso se deve à facilidade com que pode ser formada, à limitação da responsabilidade dos sócios e à sua contratualidade.
Com a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor de suas quotas sociais, os empreendedores e investidores podem limitar as perdas, em caso de insucesso da empresa.
Dessa forma, em uma sociedade limitada, o limite da responsabilidade dos sócios é o total do capital subscrito e não integralizado. O capital subscrito, para que você possa entender com clareza, é aquele montante de recursos que os sócios se comprometem a entregar para a formação da sociedade.
Essa integralização pode ser feita à vista ou de maneira parcelada.
A contratualidade, que é típica das sociedades limitadas, permite que as relações entre os sócios possam se pautar pelas disposições de vontade destes, sem os rigores pertinentes a outros tipos societários, como, por exemplo, as sociedades anônimas.
A sociedade limitada não é fortemente regulamentada pela lei, o que permite ampla margem de discussão pelos sócios e a possibilidade de estabelecer suas próprias regras.
Para quem está de fora, pode parecer injusto que uma empresa possa responder apenas pelo seu capital social, e ditar suas próprias regras internas, mas esse é um sistema altamente eficaz para incentivar o empreendedorismo.
O risco de insucesso é inerente a qualquer atividade empresarial, de modo que o direito deve estabelecer mecanismos de limitação de perdas, para estimular empreendedores e investidores à exploração empresarial dos negócios. Essa é a mesma lógica aplicada para o caso de investidores-anjo (como eu já mencionei nesse Texto: 7 Segredos sobre investidor-anjo que ninguém te conta https://vaneskadonato.adv.br/7-segredos-sobre-investidor-anjo-que-ninguem-te-conta/).
Dessa forma, se o insucesso de certo negócio pudesse sacrificar a totalidade do patrimônio dos sócios da empresa, é natural que menos negócios surgissem, o que não impulsionaria a nossa economia.
2. Da deliberação dos sócios: como funciona a administração diária de uma empresa.
De maneira geral, os sócios de uma sociedade limitada participam livremente do dia a dia da empresa. Se existe uma sede física, comparecem presencialmente ao local de trabalho. Se não há, desenvolvem diariamente as atividades remotamente, inteirando-se dos negócios, controlando o movimento do caixa, e conversando uns com os outros.
Nesse contato cotidiano, várias decisões são tomadas, o que é feito sem qualquer formalidade.
Ocorre que, em algumas matérias, é necessário seguir alguns procedimentos estabelecidos pela lei.
A necessidade de formalidade se verifica nos seguintes casos: a) designação e destituição de administradores; b) remuneração desses administradores; c) votação das contas anuais; d) modificação do contrato social; e) operações societárias; f) dissolução e liquidação da sociedade; g) pedido de recuperação judicial, e, finalmente, h) a expulsão do sócio minoritário, que é o tema do nosso texto.
Para tratar de qualquer uma dessas matérias, é necessário que os sócios se reúnam em uma assembleia e cumpram as exigências relativas ao quórum deliberativo para validade da decisão que tomarem.
A assembleia, uma vez devidamente anunciada, deve ser atendida por sócios que representem pelo menos ¾ (três quartos) do capital social. Caso não haja quórum, deve-se proceder à segunda convocação, a partir da qual a assembleia pode se instalar com qualquer número de participantes.
Se a sociedade tem, no máximo, dez sócios, o contrato social pode prever que as deliberações sobre as matérias indicadas serão adotadas em uma reunião de sócios.
A forma de realização da reunião de sócios pode ser estabelecida livremente no contrato social, o que pode ser muito importante para facilitar a condução do seu negócio.
A ata da assembleia dos sócios ou da reunião regulamentada no contrato social deve ser assinada por todos os sócios e arquivada na Junta Comercial.
Em geral, os sócios deliberam por maioria dos votos dos presentes, computados proporcionalmente ao valor das quotas que possuem. Quem subscreveu maior parte do capital social, portanto, tem maior poder de interferência nas decisões de interesse da sociedade.
No caso da exclusão do sócio minoritário, como veremos mais adiante, será necessário mais da metade do capital social.
3. Da administração da sociedade limitada.
A administração da sociedade cabe às pessoas que tiverem sido designadas como tal no contrato social ou em ato separado.
Elas são escolhidas e destituídas pelos sócios, observando-se, em cada caso, a maioria qualificada exigida pela lei para aquela hipótese.
É possível também que a sociedade seja administrada por alguém que não seja sócio, mas, para que isso aconteça, é necessária a expressa autorização no contrato social.
O mandato do administrador pode ser por período determinado ou indeterminado, o que também será definido no Contrato Social ou em ato separado.
Essa documentação deverá ser registrada na Junta Comercial, para que seja de conhecimento de todos que se relacionam com a empresa, inclusive os credores.
Os administradores devem, anualmente, prestar contas aos sócios reunidos em assembleia anual, ou em alguma outra data prevista no contrato social. Junto com as contas, apresentarão aos sócios os balanços patrimonial e de resultados que a sociedade limitada é obrigada a levantar.
4. Da dissolução da sociedade limitada.
A dissolução de uma empresa pode ser total ou parcial (também chamada de resolução de sociedade em relação a um dos sócios).
As causas de dissolução total de uma empresa são as seguintes: a) vontade dos sócios; b) decurso do prazo determinado de duração (os sócios devem definir no contrato social por quanto tempo a sociedade irá desenvolver suas atividades); c) falência; d) exaurimento do objeto social, isto é, o objetivo da sociedade foi possível em algum momento, mas já acabou; e) inexequibilidade do objeto social, o que ocorre quando o objetivo da empresa não pode ser atingido; e f) unipessoalidade por mais de 180 dias, além de outras cláusulas que podem constar do contrato social.
De outro lado, a dissolução parcial decorre das seguintes causas: a) vontade dos sócios; b) morte de sócios; c) retirada de sócios; d) exclusão de sócios; e e) liquidação da quota a pedido de credor de sócio.
A exclusão de sócio minoritário, portanto, é uma forma de dissolução parcial da sociedade limitada.
Em acréscimo, a dissolução pode ser judicial ou extrajudicial, de acordo com a natureza do ato de dissolução. Caso seja por deliberação dos sócios registrada em ata, distrato ou alteração contratual, será hipótese de dissolução extrajudicial. Se, de outro lado, depender da propositura de uma ação em juízo, será judicial. Nesse segundo caso, a dissolução ocorre mediante a sentença do juiz proferida em ação específica.
A exclusão do sócio minoritário pode ser tanto realizada judicial quanto extrajudicialmente, como iremos esclarecer adiante.
5. Pedido judicial para exclusão de sócio de uma empresa
A partir do que consta nos itens anteriores, você já entendeu como funciona uma sociedade limitada, e as formas de sua dissolução. Vamos, agora, então, tratar da exclusão do sócio.
A primeira forma de excluir um sócio de uma empresa é formular um pedido judicial para essa finalidade.
De acordo com o art. 1030, do CC, “pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente”.
Dessa forma, o sócio que deseja retirar o outro da empresa deverá explicar ao juiz os motivos pelo qual pretende fazê-lo, devendo demonstrar ou a falta grave do sócio, ou então sua incapacidade superveniente. Essas duas motivações constituem o que, em Direito, chama-se de justa causa.
Note-se que não basta que os sócios decidam excluir um outro sócio. É necessário que ocorra um fato ensejador da expulsão, não dependendo da mera vontade dos sócios.
Judicialmente, é possível inclusive que se busque a exclusão de um sócio majoritário. Basta que se prove que há uma justa causa.
O que seria uma falta grave nos termos do art. 1030, CC? Podem ser atos de um sócio que não cumpre com as suas obrigações, favorece a concorrência desleal, compete com a própria sociedade, promove o desvio de clientela, entre outros comportamentos perniciosos.
A incapacidade superveniente é aquela que surge após o início da sociedade. Isso quer dizer, portanto, que o sócio era capaz quando firmou a sociedade, mas acabou contraindo posteriormente alguma doença que lhe tornou incapaz para o desempenho das atividades empresariais.
Sendo proposta uma ação deste tipo, os sócios que pretendem a exclusão deverão demonstrar judicialmente a justa causa para a sua pretensão, ao passo que o sócio cuja exclusão se pretende deverá apresentar sua defesa de modo a comprovar que não existe causa a motivar o pedido.
6. A exclusão extrajudicial de sócio minoritário de empresa.
A segunda hipótese de exclusão de sócio é a extrajudicial, ou seja, você não vai precisar ingressar com ação para essa finalidade, desde que haja uma justa causa e o sócio a ser excluído seja um sócio minoritário.
Essa justa causa se verifica sempre que um ou mais sócios estejam pondo em risco a continuidade da empresa.
Está prevista no art. 1.085, do Código Civil, e, de acordo com o dispositivo legal, é necessário que o contrato social tenha a expressa previsão para a exclusão por justa causa.
Veja, então, a importância de que você se planeje e contrate assessoria jurídica para fazer um contrato social personalizado para as necessidades da sua empresa! Caso o contrato social não preveja a possibilidade de exclusão do sócio minoritário, será necessária a propositura de uma ação judicial, nos termos do item anterior.
Além disso, deverá ser convocada uma assembleia, ou reunião de sócios, específica para a finalidade de exclusão do sócio da empresa, na qual deverá haver a votação favorável de mais da metade do capital social.
Depois da reunião, deverá ser apurada e paga a parte do sócio excluído, alterando-se o contrato social.
Caso o sócio excluído não concorde com a sua exclusão, somente lhe restará ingressar com uma ação judicial para pleitear o seu retorno ao quadro societário, comprovando que não estavam presentes umas das condições constantes no art. 1.085, do Código Civil, mencionado acima.
A apuração do valor devido ao sócio excluído se dará na forma do contrato social. Se não houver nenhuma disposição específica no contrato social, será necessário fazer a avaliação da empresa para apurar o valor de sua participação societária.
7. A exclusão do sócio remisso.
O sócio remisso é aquele que deixa de integralizar os valores contidos no contrato social, ou seja, ele deixou de pagar a parte que lhe competia na sociedade.
De acordo com o art. 1.004, do CC, o sócio tem até 30 (trinta) dias para efetuar esse pagamento. Caso não seja feito, os demais sócios decidem se irão cobrar uma indenização pelo atraso, ou se promoverão a sua exclusão da sociedade.
Tanto o sócio minoritário quanto o sócio majoritário podem ser excluídos com o fundamento da mora na integralização do capital social.
No caso da exclusão pela remissão, não haverá o pagamento do sócio, uma vez que ele não contribuiu para a formação do capital social.
8. A apuração de haveres e reembolso.
À dissolução parcial da sociedade, segue-se a apuração de haveres e reembolso do sócio que está deixando a empresa.
O objetivo da apuração de haveres é definir o valor cabente ao sócio desvinculado.
O referido sócio tem direito de crédito contra a pessoa jurídica no importe equivalente ao que teria se a hipótese fosse de dissolução total, o que significa dizer que ele tem direito ao valor patrimonial de sua cota social.
A sociedade, assim, deverá apurar os haveres do sócio que está se retirando e pagar-lhe nos prazos contratualmente previstos ou à vista, se nada for disposto no contrato. Note-se, mais uma vez, a importância de que o contrato social da sua empresa seja bem formulado, estabelecendo não somente a hipótese de exclusão, mas também a forma de apuração do valor patrimonial da empresa e o prazo de pagamento do sócio que se retira ou vem a falecer.
O não estabelecimento desses parâmetros básicos levará a intermináveis disputas judiciais.
Com este texto, você pôde compreender como funciona uma sociedade limitada e a responsabilidade de seus sócios; a forma em que ocorrem as deliberações sociais; como essa sociedade é administrada; como ela pode ser dissolvida; como se exclui judicialmente um sócio (mesmo quando majoritário); como se exclui extrajudicialmente um sócio minoritário; como se exclui um sócio remisso (que não arcou com a obrigação de integralização do capital social) e, finalmente, como ocorre a apuração de haveres e reembolso em caso de sua dissolução parcial.
Agora eu quero saber de você: você possuía essas informações? Que tal revisar o seu contrato social para incluir as cláusulas faltantes e evitar problemas futuros?