Uma grande apresentadora, talvez uma das mais conhecidas do Brasil, no passado, participou de um filme do qual não se orgulha. Com a popularização das redes sociais, trechos do filme, de mais de 30 anos atrás, começaram a voltar à tona. Novamente, a apresentadora tem que ser ver às voltas com um trabalho que ela gostaria que ficasse enterrado no passado. Ela, assim, busca o Judiciário para pleitear o seu direito ao esquecimento.
Você conhece essa história, não é?
Será que a famosa apresentadora realmente tem direito a promover medidas judiciais para que cenas desse filme não mais apareçam em buscadores da Internet? Até onde vai a proteção dos dados pessoais?
É sobre isso que trataremos no post de hoje.
- O que seria o direito ao esquecimento?
O direito ao esquecimento é um direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, mesmo que verídico, e que ocorreu em determinado momento de sua vida, continue sendo exposto ao público em geral depois da passagem de certo tempo.
Não há dispositivo legal específico sobre este assunto na legislação, mas a Constituição protege o direito à vida privada, à intimidade e à honra (art. 5º., X, CF), o que poderia funcionar como um fundamento para esse desejo de ocultar parte do passado.
- Como surgiu o direito ao esquecimento?
Ainda que sejam encontradas decisões mais antigas sobre o assunto, o direito ao esquecimento tem provocado discussões recentemente porque a rede mundial de computadores praticamente eterniza as notícias e informações, o que potencializa a violação à intimidade e à honra.
Com poucos cliques, é possível ter acesso a fatos ocorridos há muitos anos, inclusive com fotos e vídeos.
Ao longo do tempo, se percebeu que o conceito de direito ao esquecimento tem grandes implicações para políticas de Internet, privacidade e direito de expressão.
Em países que adotaram o direito ao esquecimento como lei ou jurisprudência, você tem o direito de requerer que dados pessoais que não quer mais que sejam vistos sejam removidos de certos sites de procura ou mesmo deletados.
Na União Europeia, o direito ao esquecimento deriva do direito ao apagamento (right to erasure).
Desde 1995, a Diretiva da União Europeia sobre Proteção de Dados confere o direito do indivíduo de solicitar que todos os seus dados pessoais sejam deletados ao sair de um emprego ou fechar uma conta em qualquer lugar.
A interpretação do direito ao esquecimento acabou sendo estendida em um caso julgado pela Corte de Justiça da União Europeia em 2014.
No caso apelidado de “Google Spain”, a Corte entendeu que, como decorrência do direito ao apagamento, as pessoas têm o direito de serem retiradas dos buscadores de Internet.
Na prática, isso significa que eles podem requisitar que os mecanismos de busca tirem certos links de seu indexador de busca, se o resultado contém informação pessoal que é inadequada, irrelevante ou excessiva.
Essa decisão causou grande controvérsia, por dois motivos: a) dificuldade de implementação prática das medidas, e b) o equilíbrio entre o direito à privacidade e à proteção dos dados pessoais e o interesse público em acessar informação.
Em fevereiro de 2018, o Google anunciou que tinha recebido mais de 2,4 milhões de pedidos para remoção de informação nos últimos 4 anos, ilustrando os grandes desafios encontrados pelas empresas para cumprirem com a decisão da Corte de Justiça.
- O direito ao esquecimento ao redor do mundo.
O direito ao esquecimento foi incluído na Lei Geral de Proteção de Dados da União Europeia e desde então ganhou terreno ao redor do mundo.
As críticas ao direito ao esquecimento normalmente giram em torno do argumento de que a remoção de dados online de maneira desenfreada fere o direito à expressão e outros direitos humanos.
De outro lado, os que o defendem afirmam que o contínuo acesso a informações do passado pode implicar em violação à honra quando não há qualquer interesse público em continuar acessando essa informação.
E no Brasil, como a matéria vem sendo entendida?
- O direito ao esquecimento no Brasil.
Até bem recentemente, o entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) era o de que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (RESP 1.335.153-RJ e RESP 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgados em 28/05/2013).
Nessa mesma linha, em março de 2013, foi aprovado o Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do CJF/STF, defendendo o direito ao esquecimento com a seguinte redação: “Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade de informação inclui o direito ao esquecimento”.
Contudo, o STF (Supremo Tribunal Federal) tratou desse assunto de forma diversa.
Em fevereiro deste ano, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral reconhecida, entendeu o Tribunal pela inexistência de um direito geral ao esquecimento.
Sustentou-se, ainda, que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, apenas em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação.
Interessantemente, apesar de a maior parte das pretensões de direito ao esquecimento estarem relacionadas com veiculação de informações pela Internet, o caso tratado pelo STF diz respeito a um programa de televisão veiculado em 2004, que fez a reconstituição de um crime ocorrido nos anos 1950.
Até pelo tipo de informação que foi tratada no programa televisivo (fato verídico de grande repercussão social), os Ministros destacaram a importância do direito à memória coletiva e à verdade histórica, bem como à liberdade de expressão.
Em conclusão, entendeu-se que o direito ao esquecimento só pode ser apurado caso a caso, fixando-se a seguinte tese de repercussão geral:
“Tese 786: É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir de parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
- E agora? Como esse posicionamento afeta os seus direitos?
O fato de o STF ter entendido que não há um direito genérico ao esquecimento não significa que você nunca mais conseguirá solicitar em juízo a retirada de qualquer informação sobre a sua vida. Apenas significa que tão somente a passagem no tempo não será suficiente para justificar o seu pedido.
A tese com o pedido para a remoção das informações deverá, assim, ser bem construída, com fundamento em outros argumentos, como a violação da honra e a pouca relevância das informações do passado que se quer ocultar, por exemplo.
A proteção de dados pessoais, mais do que nunca, se encontra em pauta, de modo que a decisão discutida tem apenas que ser interpretada como a exigência de melhor fundamentação de pedidos semelhantes.
Agora que você já entendeu o que é o tão falado direito ao esquecimento, me conte nos comentários o que você pensa sobre este assunto. Você concorda com a decisão do STF?