O que é herança digital e o que você pode fazer para proteger seu patrimônio imaterial

Para te mostrar a relevância de pensar sobre herança digital, vou começar contando um acontecimento real.

O Sr. Gerald Cotten era proprietário da maior exchange de criptoativos do Canadá e faleceu abruptamente. Ele movimentava mais de 145 milhões de dólares apenas em bitcoin, além de outras moedas e ativos digitais, e tinha como clientes milhares de investidores, que confiavam a ele grande parte de seu capital. Todos esses bens estavam protegidos por criptografia em um laptop cuja senha nem mesmo a sua esposa possuía. Aparentemente, tais ativos estão perdidos para sempre.

Você já parou para pensar que parte de nossas vidas atualmente se desenrola no plano digital?

O que acontecerá com todos os seus ativos digitais, como senhas de redes sociais e serviços de armazenamento em nuvem, quando você falecer?

Não é algo que se pensava há 20 anos atrás, mas a Internet hoje está cheia de contas de mídias sociais de pessoas que já faleceram e criptoativos que estão inacessíveis por falta de acesso dos familiares às senhas do falecido.

Está claro, portanto, que a nova realidade exige mudanças de comportamento. Para fazer com que você reflita sobre isso, no post de hoje eu vou falar sobre herança digital e propor algumas soluções para que você proteja o seu patrimônio.

O que é patrimônio e herança digital.

Patrimônio digital são todos os bens que uma pessoa possui de maneira imaterial e que estão disponíveis para acesso de algum modo digital. Pode ter valoração econômica, ou não.

Redes sociais, por exemplo, podem ter valor econômico, quando geram receita para as pessoas que as utilizam, seja para vender produtos ou serviços, seja para melhorar a reputação de uma empresa ou mesmo para gerar autoridade dentro de uma determinada área de conhecimento.

Pense, por exemplo, quando vale o perfil de Instagram ou de Youtube de um grande influencer?

Quando alguém morre, portanto, deixa para trás mais do que suas propriedades e bens físicos, deixa também uma pegada que se estende para o mundo cibernético. Sua presença em mídias sociais, sites de investimento e outras plataformas virtuais, pode ter valor monetário, presente ou futuro.

Em caso de falecimento, esse patrimônio se transforma em herança digital.

Falta de legislação pertinente.

A vida real tem evoluído de maneira muito mais rápida que o Direito, o que acaba propiciando o surgimento de inúmeras situações para as quais não há qualquer previsão legal.

A herança digital chegou a ser incluída em alguns projetos de lei, sendo que dois deles inclusive foram arquivados.

O mais promissor é o que acrescenta um artigo à Lei nº. 12.962/14 (chamada de Marco Civil da Internet), determinando que os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas de usuários falecidos logo após a comprovação da morte, mediante o requerimento do cônjuge, companheiro ou parente maior de idade.

Além disso, determina que mesmo após a exclusão das contas, os provedores mantenham os dados e registros armazenados por um ano contado da data da morte, ressalvado o requerimento cautelar de prorrogação da autoridade policial ou do Ministério Público.

Por enquanto, contudo, nada temos de legislação sobre o assunto.

O que eu te proponho é planejar antecipadamente o que você vai fazer sobre sua herança digital. A partir desse ponto, utilizando os mecanismos já vigentes na legislação, eu pretendo te apresentar boas soluções.

Vamos lá?

Como começar um plano de herança digital.

Se você está convencido da importância de pensar sobre a destinação da sua herança digital, então é o momento de colocar o plano em ação.

A primeira providência é fazer um inventário de todos os bens digitais que você possui, o que pode incluir as redes sociais, contas em lojas online (inclusive créditos), serviços de armazenamento, entre outros.

Em seguida, você deve decidir quem vai herdar o seu patrimônio digital.

Verifique, então, se as empresas em que você possui contas abertas já tem uma política para o caso de incapacidade ou falecimento, e indique os contatos daqueles que você deseja que sejam seus sucessores.

Feito isso, é o momento de pensar nas soluções jurídicas para a preservação desse patrimônio.

Testamento.

Uma das possíveis soluções para a preservação de sua herança digital é a redação de um testamento.

Cada vez mais se mostra necessário elaborar um testamento para evitar desconforto a seus herdeiros e garantir que o seu desejo seja efetivamente cumprido após sua morte.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1857, § 2º, permite, inclusive, que o testamento tenha um conteúdo exclusivamente extrapatrimonial.

No testamento, é possível listar exatamente quais são os bens digitais e como cada um deles pode ser acessado, e por quem. Também é possível determinar se algum dos sucessores está autorizado a utilizar a conta ou se, ao contrário, em caso de falecimento, deve haver o cancelamento da conta.

Tais providências são muito importantes, porque, em algumas situações, quando não há testamento, o Judiciário tem entendido que o patrimônio digital é personalíssimo e não pode ser abrangido pelo Inventário.

A partir de tal posicionamento, tudo aquilo que foi construído pelo falecido pode ser perdido definitivamente.

Assim, quando for preparar seu testamento, tenha o máximo cuidado em incluir todos os seus bens digitais, bem como as instruções para acessá-los.

Não se esqueça que o testamento, além de dar as orientações necessárias para o acesso ao patrimônio digital, é uma fonte segura de autorização legal para que seus herdeiros acessem as informações e as utilizem da maneira mais adequada.

Planejamento sucessório.

O planejamento sucessório é um conjunto de estratégias de gestão de bens atuais por gerações futuras, com utilização de um ou mais documentos, podendo incluir também a elaboração de um testamento.

É uma forma de organizar melhor o seu patrimônio, seja para diminuir a carga tributária, seja para diminuir conflitos depois do falecimento.

Também é muito eficiente para tratar dos seus bens digitais, antes de se tornarem herança propriamente dita.

Como não há disposição legal sobre quais são as pessoas que têm direito a ser os novos titulares de contas online, por exemplo, você pode pensar com antecedência e já determinar quem é mais vocacionado para seguir com o seu legado digital e já dispor em vida sobre a questão.

É muito importante que essa escolha do titular seja formalizada em documentos hábeis, como autorizações específicas, por exemplo, já que não é porque alguém possui a senha para acessar uma conta que ela tem, necessariamente, a prerrogativa legal de fazê-lo.

Outras soluções também são possíveis, dependendo do caso concreto.

Espero que eu tenha te convencido a refletir sobre o seu patrimônio digital e que você comece, assim que terminar a leitura desse texto, o seu plano de herança digital.

Você já tinha pensado sobre este assunto? Me conte aqui nos comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Compartilhe

Facebook
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Fale agora com um Advogado